quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A fogueira e o vestido cor de rosa

As vezes algumas coisas passam pela nossa frente e não percebemos o quanto importante aquilo é ou seria... como dizem: o trem passa e você fica na estação. Aquele trem, já era. Bem, aconteceu comigo. Todos os noticiários estavam mostrando o fato ocorrido com aquela universitária da Uniban, Geisy Arruda. Vi pela TV o tumulto de gente gritando, ela saindo escoltada, mas pensei que os seus colegas de universidade estariam protestando contra a retirada dela por parte da direção da faculdade. Isso, só, já seria vergonhoso, nojento. Mas eu tava ocupada, nem prestei muita atenção. Até que a Fabi Pavanello me mandou um texto do Contardo Calligaris, psicanalista, doutor em psicologia clínica (Université de Provence) e colunista da Folha de S.Paulo.

Arrepiei quando li. Tava escrevendo sobre sedução naquela hora que ela mandou. Parei o texto e fiquei refletindo. Como pode isso ter acontecido aqui, no Brasil, onde teoricamente vivemos numa democracia, sem intolerância religiosa ou cultural?? Onde povos do mundo inteiro convivem harmoniosamente... Mas aconteceu. Fiquei dois dias protelando esse post. Mas resolvi pegar o trem, mesmo atrasada.


Conforme o texto de Calligaris, “os alunos da Uniban saíram das salas de aula e se aglomeraram numa turba: xingaram, tocaram, fotografaram e filmaram a moça. Com seus celulares ligados na mão, como tochas levantadas, eles pareciam uma ralé do século 16 querendo tocar fogo numa perigosa bruxa”, disse ele.

Ela saiu da instituição acadêmica, que, também teoricamente deveria ser exemplo de incentivo ao bom convívio e respeito aos direitos de todos, sob os gritos de "Pu-ta, pu-ta, pu-ta". Que que é isso? E se ela fosse de verdade uma prostituta? O que isso afetaria a vida dos alunos? Nada. É como se tivesse sido dado permissão para que um bando de hipócritas psicopatas saíssem por ai ateando fogo em prostitutas e índios. Ela só é uma mulher que resolveu sair vestida de forma sensual. É crime?

Numa entrevista Geisy contou que teve que se trancar na sala de aula e o bando de boçais chutavam a porta, batiam na janela, tentavam filmar tudo com os celulares. Gritavam: “puuu-ta, puuu-ta”, “deixem ela com a gente”, “nós vamos estuprar”, “vamos linchar” e outras coisas terríveis. A faculdade, segundo ela, demorou muito a mandar seguranças para a sala. Um deles, em vez de pensar em como resolver a situação, passou a repreendê-la. Fazia observações do tipo “francamente: isso é roupa para vir estudar?” e “você não tem vergonha?”

Calligaris fez uma análise psicológica do caso. Segundo ele, "puta, nesse caso (assim como no coro da Uniban), significa mulher licenciosa, mulher que poderia (pasmem!!!) gostar de sexo!!!! Os membros das torcidas e os 700 da Uniban descobrem assim um terreno comum: é o ódio do feminino - não das mulheres como gênero, mas do feminino, ou seja, da ideia de que as mulheres tenham ou possam ter um desejo próprio. O estupro é, para essas turbas, o grande remédio: punitivo e corretivo. Como assim? Simples: uma mulher se aventura a desejar? Ela tem a imprudência de "querer"? Pois vamos lhe lembrar que sexo, para ela, deve permanecer um sofrimento imposto, uma violência sofrida - nunca uma iniciativa ou um prazer.”

Ele continua dizendo que “a violência e o desprezo aplicados coletivamente pelo grupo só servem para esconder a insuficiência de cada um, se ele tivesse que responder ao desejo e às expectativas de uma parceira, em vez de lhe impor uma transa forçada.”

Pois é. É isso mesmo. Os caras não correspondem às expectativas das mulheres. Acham que se ela sai produzida, vestida pra matar, é uma puta. Na real ela é segura. Eles, uns frouxos. E as colegas mulheres? Bando de recalcadas.

E a atitude da direção e conselho? Parecia aquele Tribunal da Inquisição ou Santa Inquisição, que se reunia para averiguar heresia, feitiçaria, bigamia... O culpado era muitas vezes acusado por causar uma "crise da fé", pestes, terremotos, doenças e miséria social. Então, era entregue às autoridades do Estado, que o puniriam com penas que variavam desde confisco de bens, perda de liberdade, até a pena de morte - muitas vezes na fogueira.

Ainda bem que a Geisy não foi à faculdade com aquele vestido na época de São João, em junho. Imaginem, iam colocá-la na fogueira!!

7 comentários:

  1. Esse trem apenas saiu da estação e terá longo percurso. Pq bem ou mal sucitou uma discussão que essa sociedade hipócrita evita. A sexualidade. Imagina, a Tv bombeia imagens diárias de apelação sexual vulgar , criando mentalidades dirtorcidas, recalcadas e perversas. E depois quer linchar uma mulher por querer ser sensual ao seu namorado. Sim , porque depois da faculdade, ela ia sair com o namorado. Uma coisa que me impressionou muito foi o fato de que os comentários logo após divulgadas as imagens foram reprovando a mulher da saia e não os boçais da Uniban. Daí pensei: Meu Deus, realmente o fim do mundo está próximo porque uma raça que age dessa maneira está fadada a se auto-destruir..
    valeu Sí! depois do Calligaris tu foi a segunda que eu vi ter bom -senso na análise desse fato. Ainda bem que existe esse bloog.
    bjs
    Fabi

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  2. Valeu Fabi! infelizmente a gente acaba submersa na nossa rotina e no nosso mundinho que não vê mais os horrores que correm a nosa volta. Qdo recebi teu email e a tua observação de que isso tinha tudo a ver com o blog percebi que estavas certa...

    Ontem mesmo vi uma guria sendo entrevistada sobre o assunto, durante um protesto dos universitários.. e ela disse que não importava se a Geisy iria voltar ou não pra facul, depois da decisão da direção de revogar a expulsão da aluna. Ela disse que o que importava mesmo era que "a imagem da universidade fora abalada e que os formandos seriam discriminados no mercado de trabalho"... meu, que mundo é esse? a guria não percebeu que a sua resposta, na verdade, é que definará seu futuro... que empregador de sã consciência vai querer em seu quadro pessoas assim, tão limitadas?

    Cada vez mais as pessoas não pensam no coletivo, só no seu umbigo! Pra piorar, em 99% dos casos que se enquadram nessa situação o umbigo tá bemmmm sujo!!!

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  3. Brilhante Simone, isso é o tipo de coisa q mesmo atrasado não se pode deixar de falar, não pode-se aceitar esse tipo de intolerancia, ainda mais se falando de um ambiente universitário. "Sem vergonha" são aqueles q a expuseram a esse tipo de coisa, eu, sinceramente, me envergonho de ver isso noticiado no mundo inteiro.
    parabens

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  4. Brigaduuu Gui... como diria minha amiga Mari: "coisa linda isso!!!!"

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  5. Genaro12.11.09

    Eu acho que as mulheres as vezes tem que se dar valor. A mulher não precisa mostrar sensualidade sem que seja preciso mostrar os peitões ou os pernões, ou até mesmo a perseguida. Isto se torna vulgar. Excesso de sensualidade se torna vulgaridade e também tem que existir o respeito. Existe algo mais chato do que você pedir para a mulher não vestir uma roupa e ela colocar uma menor. Dá vontade de bater. Um bom vestido longo eu admiro, acho até legal lançar no mercado um tipo de burka, mas branca, ficaria muito sensual. Na menina da Uniban temos que ver o contexto, o dia-a-dia desta menina com colegas para não achar que todo homem é inseguro ou troglodita.

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  6. Apesar de eu não me surpreender com o conteúdo do teu comentário, eu sinto muito mesmo Genaro. Desde quando as pessoas têm o direito de humilhar os outros porque não gostam de seu modo de vestir, falar, andar, ou seja lá o que for?

    O que escandaliza, no caso, não é a opção da garota, mas sim, a selvageria dos atos. Nada justifica aquela cena nojenta.

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  7. Umbigo sujo hahaha Boa simone!
    Estou rindo mas é uma realidade triste. O individualismo exagerado só denota que as pessoas andam cada vez mais vazias e por isso, querem tudo para sí.
    E ainda depois do erro da selvageria,
    os comentários infelizes dos universitários com medo de "preconceito"??!!!. O que eu esperava? Que se dessem conta e se arrependessem?
    E sobre as mulheres mostrando demais o corpo:
    O que importa não é o quanto se mostra e sim como se percebe!
    Os indíos andavam nus e nem por isso eram pervertidos..

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